A divulgação da "comunidade monástica comunhão e misericórdia", e toda a história real de santa Faustina e Jesus misericordioso.
João Guimarães Rosa
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de
junho de 1908 e era o primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha)
Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu
Fulô" comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias.
Joãozito, como
era chamado, com menos de 7 anos começou a estudar francês sozinho, por
conta própria. Somente com a chegada do Frei Canísio Zoetmulder, frade
franciscano holandês, em março de 1917, pode iniciar-se no holandês
e prosseguir os estudos de francês, agora sob a supervisão daquele frade.
Terminou o curso primário no
Grupo Escolar Afonso Pena; em Belo Horizonte, para onde se mudara, antes
dos 9 anos, para morar com os avós. Em Cordisburgo fora aluno da Escola Mestre
Candinho. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João
del Rei, onde permaneceu por pouco tempo, em regime de internato, visto não ter
conseguido adaptar-se — não suportava a comida.
De volta a Belo Horizonte
matricula-se no Colégio Arnaldo, de padres alemães e, imediatamente, iniciou o
estudo do alemão, que aprendeu em pouco tempo. Era um poliglota, conforme
um dia disse a uma prima, estudante, que fora entrevistá-lo:
Falo: português, alemão,
francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco,
holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns
dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do
lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do
finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo
mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito
à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém,
estudando-se por divertimento, gosto e distração.
Em 1925, matricula-se na então
denominada Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, com
apenas 16 anos. Segundo um colega de turma, Dr. Ismael de Faria, no velório de
um estudante vitimado pela febre amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase: "As
pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida 41 anos
depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Sua estréia nas letras se deu
em 1929, ainda como estudante. Escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai
Anagke (título grego,
significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné para um concurso promovido pela
revista O Cruzeiro. Todos
os contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando
o autor seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem
contos de réis. Chegou a confessar, depois, que nessa época escrevia
friamente, sem paixão, preso a modelos alheios.
Em 27 de junho de 1930, ao
completar 22 anos, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com apenas 16 anos,
que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento,
desfazendo-se uns poucos anos depois. Ainda em 1930, forma-se em Medicina,
tendo sido o orador da turma, escolhido por aclamação pelos 35 colegas.
Guimarães Rosa vai exercer a profissão em Itaguara, pequena
cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde permanece cerca de dois
anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros e
receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e
marginalizados, a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel
Rodrigues de Carvalho, mais conhecido por "seu Nequinha", que morava
num grotão enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi.
Espírita, "Seu
Nequinha" parece ter sido o inspirador da figura do Compadre meu
Quelemém, espécie de oráculo sertanejo, personagem de Grande Sertão: Veredas.
Diante de sua incapacidade de
por fim às dores e aos males do mundo numa cidade que não tinha nem energia
elétrica, segundo depoimento de sua filha Vilma, o autor, sensível como
era, acaba por afastar-se da Medicina. Contribuiu também para isso o fato de o
escritor ter que assistir o parto de sua mulher, pois o farmacêutico e o médico
da cidade vizinha de Itaúna só terem chegado quando Vilma já havia nascido.
Guimarães Rosa, durante
a Revolução Constitucionalista de 1932, trabalha como voluntário na Força
Pública. Posteriormente, efetiva-se, por concurso. Em 1933, vai para
Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Segundo
depoimento de Mário Palmério, em seu discurso de posse na Academia Brasileira
de Letras, o quartel pouco exigia de Guimarães Rosa – "quase que somente a
revista médica rotineira, sem mais as dificultosas viagens a cavalo que eram o
pão nosso da clínica em Itaguara, e solenidade ou outra, em dia cívico, quando
o escolhiam para orador da corporação". Assim, sobrava-lhe tempo para
dedicar-se com maior afinco ao estudo de idiomas estrangeiros; ademais, no
convívio com velhos milicianos e nas demoradas pesquisas que fazia nos arquivos
do quartel, o escritor teria obtido valiosas informações sobre o jaguncismo
barranqueiro que até por volta de 1930 existiu na região do Rio São Francisco.
Um amigo do escritor,
impressionado com sua cultura e erudição, e, particularmente, com seu notável
conhecimento de línguas estrangeiras, lembrou-lhe a possibilidade de prestar
concurso para o Itamarati, conseguindo entusiasmá-lo. O então Oficial Médico do
9º Batalhão de Infantaria, após alguns preparativos, seguiu para o Rio de
Janeiro onde prestou concurso para o Ministério do Exterior, obtendo o segundo
lugar. Por essa ocasião, aliás, já era por demais evidente sua falta de
"vocação" para o exercício da Medicina, conforme ele próprio
confidenciou a seu colega Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de
março de 1934:
Não nasci para isso, penso. Não
é esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec...’
Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito
no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou
um jogador de xadrez nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.
Antes que os anos 30 terminem,
ele participa de outros dois concursos literários. Em 1936, a coletânea de
poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia
Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator",
concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o volume intitulado Contos, que em
46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana, obra que lhe rendeu
vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos
no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagaranaapresentam
a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das fazendas, dos
vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e
adolescência. Neste livro, o autor já transpõe a linguagem rica e pitoresca do
povo, registra regionalismos, muitos deles jamais escritos na literatura
brasileira.
Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo,
e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy Moebius de Carvalho (Ara), que
viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por várias vezes escapou da
morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. A
superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida. Ele
acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a umbanda, a
quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos
positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de
seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de
qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.
Embora consciente dos perigos
que enfrentava, protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo;
nessa empresa, contou com a ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa
atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de
1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: o nome do
casal foi dado a um bosque que fica ao longo das encostas que dão acesso a
Jerusalém.
Foi a forma encontrada pelo
governo israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para
salvar judeus perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial.
Segundo D. Aracy, que compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido
sempre se absteve de comentar o assunto já que tinha muito pudor de falar de si
mesmo. Apenas dizia: "Se eu não lhes der o visto, vão acabar morrendo;
e aí vou ter um peso em minha consciência."
Em 1942, quando o Brasil rompe
com a Alemanha, Guimarães Rosa é internado em Baden-Baden, juntamente
com outros compatriotas, entre os quais se encontrava o pintor pernambucano
Cícero Dias, Ficam retidos durante 4 meses e são libertados em troca de
diplomatas alemães. Retornando ao Brasil, após rápida passagem pelo Rio de
Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como Secretário da Embaixada, lá
permanecendo até 1944. Sua estada na capital colombiana, fundada em 1538 e
situada a uma altitude de 2.600 m, inspirou-lhe o conto Páramo, de cunho autobiográfico, que faz parte
do livro póstumo Estas
Estórias. O conto se refere à
experiência de "morte parcial" vivida pelo protagonista
(provavelmente o próprio autor), experiência essa induzida pela solidão, pela
saudade dos seus, pelo frio, pela umidade e particularmente pela asfixia
resultante da rarefação do ar (soroche –
o mal das alturas).
Em dezembro de 1945 o escritor
retornou ao Brasil depois de longa ausência. Dirigiu-se, inicialmente, à
Fazenda Três Barras, em Paraopeba, berço da família Guimarães, então
pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa e, depois, a cavalo, rumou para
Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina Hotel, mais conhecido
por Hotel da Nhatina.
Em 1946, Guimarães Rosa é nomeado chefe-de-gabinete do
ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à
Conferência de Paz.
Em 1948, o escritor está
novamente em Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX
Conferência Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o
assassinato político do prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán,
fundador do partido Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria, de curta mas
decisiva duração.
De 1948 a 1950, o escritor
encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro
da Embaixada. Em 1951 é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da
Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido
a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador).
Guimarães Rosa retorna ao Brasil em 1951. No ano seguinte,
faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: Com o vaqueiro Mariano.
Segundo depoimento do próprio Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de
maio de 1997, protagonista da novela Uma
estória de amor, incluída no volume Manuelzão
e Miguilim, durante os dias que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava
"ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais
de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a
flora, a fauna e a gente sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem,
superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias...
Em ensaio crítico sobre Corpo de Baile, o professor Ivan
Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da literatura
brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de
logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou
experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada Campo Geral, Guimarães Rosa se detém na investigação da intimidade
de uma família isolada no sertão, destacando-se a figura do menino Miguelim e o
seu desajuste em relação ao grupo familiar.Campo Geral surge como uma fábula do despertar do
autoconhecimento e da apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas
surge como passeio cósmico pela geografia rosiana, que retoma a idéia básica de
toda a obra do escritor: o universo está no sertão, e os homens são
influenciados pelos astros.
Em 1956, no mês de janeiro,
reaparece no mercado editorial com as novelasCorpo de Baile, onde
continua a experiência iniciada em Sagarana.
A partir de o Corpo de Baile,
a obra de Rosa - autor reconhecido como o criador de
uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro -
adquire dimensões universalistas, cuja cristalização artística é atingida em Grande Sertão: Veredas,
lançado em maio de 56. O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica
que se estende por 600 páginas, focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a
gente rude do sertão mineiro. Grande
Sertão: Veredas reflete um
autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado
de um período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard
Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães
Rosa, emGrande Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem surpreendentes,
deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos
conflitos psicológicos presentes na história.
O lançamento de Grande Sertão: Veredas causa grande impacto no cenário
literário brasileiro. O livro é traduzido para diversas línguas e seu sucesso
deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e público dividem-se entre
louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um sucesso comercial, além de
receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto Nacional do
Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de
Janeiro. A publicação faz com que Guimarães
Rosa seja considerado uma
figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um
"caso" nacional. Ele encabeça a lista tríplice, composta ainda por
Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, como os melhores romancistas da
terceira geração modernista brasileira.
Ainda que não publicasse nada
até 1962, o interesse e o respeito pela obra rosiana só aumentavam, em relação
à crítica e ao público. Unanimidade, o escritor recebe, em 1961, o Prêmio
Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto
da obra. Ele começa a obter reconhecimento no exterior.
Em janeiro de 1962, assume a
chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial
empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da
Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho
como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira
Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário
Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários
anos, foi o chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras da Chancelaria
Brasileira.
Em 1958, no começo de junho, Guimarães Rosa viaja para Brasília, e escreve para os
pais:
Em começo de junho estive em
Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é
simplesmente delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de
construção se adiantam num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de
russos ou de norte-americanos"... "Mas eu acordava cada manhã para assistir
ao nascer do sol e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo
relógio, às 6 hs 15’, comer frutinhas, na copa da alta árvore pegada à casa,
uma tucaneira’, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma
das cenas mais bonitas e inesquecíveis de minha vida.
A partir de 1958, o autor
começa a apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio
do fim próximo, tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente
reunia outros fatores de risco cardiovascular como excesso de peso, vida
sedentária e, particularmente, o tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora
afirme ter abandonado o hábito, em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em
dezembro de 1957, na foto tirada em 1966, quando recebia do governador Israel
Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão esquerda. A
propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir, explicitamente,
sua dependência da nicotina:
... também estive mesmo doente, com
apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa
tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio,
vago, incapaz de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de
desintoxicação. Oh coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de
mais mil-e-tantos motivos, aqui estou eu, heróico e pujante, desafiando a
fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das células cerebrais. Não repare.
É importante frisar também que,
coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de
1958, Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais
publicações e textos relativos à Ciência Cristã (Christian Science),
religião cristã criada nos Estados Unidos em 1866 por Mrs. Mary Baker Eddy e que
afirma a primazia do espírito sobre a matéria – "... the allness of Spirit and the
nothingness of matter", a qual habilita compreender a nulidade do
pecado, dos sentimentos negativos em geral, da doença e da morte, diante da
totalidade do Espírito.
Em 1962, é lançado Primeiras Estórias, livro que
reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas formais características do
autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica considera "atordoante
poesia".
Em maio de 1963, Guimarães Rosa candidata-se pela segunda vez à
Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando obtivera apenas
10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição dá-se a 8 de
agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é marcada a data da posse,
adiada sine die, somente
acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1967.
Em janeiro de 1965, participa
do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do
congresso ficou constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos,
da qual o próprio Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias (que em
1967 receberia o Prêmio Nobel de Literatura) foram eleitos vice-presidentes.
Em abril de 1967, Guimarães Rosa vai ao México na qualidade de
representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual
atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte, juntamente com
Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance Walmap
que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.
No meio do ano, publica seu
último livro, também uma coletânea de contos,Tutaméia. Nova
efervescência no meio literário, novo êxito de público.Tutaméia, obra
aparentemente hermética, divide a crítica. Uns vêem o livro como "a
bomba atômica da literatura brasileira"; outros consideram que em suas
páginas encontra-se a "chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo
didático de sua criação".
Três dias antes da morte o
autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na
Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo
que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento,
afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para provar que
viveu."
O escritor faz seu discurso de
posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece
pressentir que algo de mal lhe aconteceria. Com efeito, três dias após a
posse, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente em seu apartamento
em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por
socorro.
Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de
Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães, franceses e
italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro havia
alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59 anos.
Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas
crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira,Rosa começou a publicar aos 38 anos. O
autor, com seus experimentoslingüísticos, sua técnica, seu mundo
ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então
inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.
BIBLIOGRAFIA:
- Magma (1936), poemas. Não chegou a publicá-los.
- Sagarana (1946),
contos e novelas regionalistas. Livro de estréia.
- Com o vaqueiro Mariano (1947)
- Corpo de Baile
(1956), novelas. (Atualmente publicado em três partes:
- Manuelzão e Miguilim,
- No Urubuquaquá, no Pinhém e
- Noites do sertão.)
- Manuelzão e Miguilim,
- No Urubuquaquá, no Pinhém e
- Noites do sertão.)
- Grande Sertão:
Veredas (1956), romance.
- Primeiras
estórias (1962), contos.
-
Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.
- Estas estórias
(1969), contos. Obra póstuma.
- Ave, palavra
(1970) diversos.
Obra póstuma.
Colaborações em jornais
e revistas:
- Colaborou no suplemento "Letras e Artes" de A Manhã (1953-54), em O Globo (1961) e na revista Pulso (1965-66), divulgando contos e poemas.
- Colaborou no suplemento "Letras e Artes" de A Manhã (1953-54), em O Globo (1961) e na revista Pulso (1965-66), divulgando contos e poemas.
Bibliografia sobre o
Autor:
Bosi, Alfredo (org.). O conto brasileiro
contemporâneo. São Paulo:
Cultrix, 1994.
Faraco, C.E. & Moura, F.M. Língua e literatura.. São Paulo: Ática, 1996. v.3.
Holzemayr, Rosenfield Kathrin. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de
Leitura).
Macedo, Tânia. Guimarãres Rosa. São Paulo: Ática, 1996. (Ponto por
Ponto).
Perez, Renard. Em Memória de João Guimarães
Rosa. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1968.
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