sexta-feira, 20 de setembro de 2013

PAPA FRANCISCO

A divulgação da "Comunidade Monástica Comunhão e Misericórdia", e toda a história real de Santa Faustina e Jesus misericordioso.



Nunca vi um religioso tão franco e, nesse sentido, tão honesto quanto o Papa Francisco. As declarações que ele tem dado mais recentemente confirmam exatamente o diagnóstico que fiz sobre ele quando da sua eleição. O recado é direto: a Igreja não tem que ficar insistindo sobre aborto, homossexualidade e casamento (gay ou de divorciados) e preservativos. Ele diz também que já o repreenderam, cobrando dele discursos sobre tais assuntos, mas que ele não toca nesse campo porque como homem da Igreja ele já sabe o conteúdo da lição de casa, e justamente por causa disso é necessário falar de outros assuntos.
A Igreja de Francisco retoma o caminho de convívio com o liberalismo moderno: há questões de foro íntimo que devem ficar no campo de decisão de cada um. O padre não deve ficar no confessionário vinte e quatro horas por dia. Que cada um pese consigo mesmo o quanto vale a letra das lições dogmáticas da Igreja.
Após esse alerta crítico e autocrítico, ele aponta o ideal da Igreja: um grande hospital, uma enorme enfermaria em que o sacerdote se faz de médico e vai ajudando e confortando cada um, sem perguntar sobre questões íntimas e sem julgar e muito menos prejulgar. Eu diria: um hospital de campanha, uma enfermaria gigantesca de tempos de guerra.
Para um filósofo como eu, é difícil não dizer que o Papa está correto. Poderia dizer que o que ele quer é retomar o caminho de São Paulo, e não o primeiro caminho de Pedro. Quer uma religião missionária, que vá às pessoas. Mas prefiro não caminhar por aí, por Paulo. Pois Paulo lembra um militarismo na função missionária que Francisco está longe de cultivar. Seu ascetismo é franciscano, não propriamente militar, ainda que ele seja na origem um jesuíta. Prefiro falar de Francisco como quem quer uma Igreja para os estão desinteressadas em saber se há ou não algum Deus. Quem são esses?
Meu amigo já falecido, o filósofo norte-americano Richard Rorty, escreveu certa vez que há filósofos que no passado se identificariam com o ateísmo, mas que agora resolveram dizer que são pessoas de 'religiosidade desafinada' (uma expressão de Max Weber). Isto é, são pessoas que estão para a religião como aquele de ouvido desafinado está para a música (O futuro da religião. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p. 48). Creio que posso ampliar isso, afirmando que há pessoas assim para além dos que são chamados de “os intelectuais”. São desinteressadas em Deus em um grau até muito mais alto que uma versão blasé da aposta de Pascal. Não querem fazer como Pascal, que apostava em Deus justamente porque nada perderia com isso, diante do não crente. Penso que hoje há aqueles que até podem ter simpatias para com a religião, mas que não encontram sentido nem mesmo nessa aposta, caso ela seja algo grave. Essas pessoas não necessariamente são especiais ou não-especiais. Muito menos são pessoas que, por causa disso, não possuem o que os conservadores americanos chamam “moral fiber” (fibra moral). A Igreja de Francisco parece já estar se abrindo para tais pessoas.
Mas isso é só uma parte. A Igreja de Francisco quer mais. Ela quer se abrir “para todos”. Francisco entende que todo mundo está machucado ou pode se machucar e que a enfermaria em tempos de guerra, como no serviço internacional da Cruz Vermelha, acolhe sem questionamentos constrangedores e muito menos sem olhares de quem julga. Aliás, nisso Francisco foi pessoalíssimo. Perguntado sobre o que achava dos gays, ele respondeu de modo inusitado: “quem sou eu para julgar?” Uma resposta assim, tão fielmente apegada aos discursos de Jesus (que os pastores odeiam, pois ameniza culpas ao invés de ampliá-las), é o que se poderia colocar na porta dessa grande enfermaria. Um banner nesse estilo: “que entrem aqui todos os feridos, seja lá por qual arma”.
Uma grande enfermaria não é lugar de cura, mas de remendos, paliativos, recuperação, e não raro, morte. Em geral, na guerra, é um lugar de conforto físico, moral e espiritual. Ora, os homens deveriam ser proibidos de morrer com conforto ou de, no desespero, deixar de receber conforto espiritual? Não!
Não estou falando de um conforto em um sentido piegas! Babaquice não conforta, irrita. Espera-se do padre da Igreja que ele saiba fazer mais coisa do que cantar com a Xuxa ou falar palavras de auto-ajuda. Espera-se realmente que nas horas duras, quando se está sangrando em uma tal enfermaria, alguém lá possa estancar o sangue e ao mesmo tempo lhe proporcionar aquela deliciosa sensação de sintonia, como quando se ia para a casa dos avós. E isso tendo tido ou não avós.
*Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ



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